sábado, março 14

Pequeninos olhos

Nunca imaginei que em um dia ensolarado um simples olhar pudesse me fazer refletir a despeito da vida, um olhar forte, ingênuo e sutil, o qual acompanhado por uma lágrima me suplicava socorro. Suplicava vida... Uma vida frágil a mim entregue que deveria por mim ser zelada...

Vida... Alguém já parou para imaginar o que é a vida? Estudiosos já mencionaram que a vida está entrelaçada ao tempo, e o mais jocoso é que o tempo para alguns pode ser eterno e para outros a eternidade é efêmera, é sutil, é triste...

Infelizmente, tempo era o que menos restava àquele olhar, e minhas dúvidas de médica em formação surgiram - Como dizer aqueles pequeninos olhos que o tempo para eles não duraria mais de que poucas horas? Naquele momento supliquei que todas as descobertas cientificas estivessem equivocadas, exigi que o mundo simplesmente ignorasse a lei natural da vida e olvidasse de levar aquela alma caridosa dos braços de sua mãe, que permitisse que o olhar suplicante por socorro fosse trocado por um sorriso de até logo, ou que a vida seguisse seu curso alegre como a mais burlesca das existências.

O sol como única testemunha de minha angustia observava por entre as janelas. Aqueles pequeninos olhos estavam gradativamente perdendo a força, a cada batida cardíaca, percebia o som silencioso, angustiante e impotente do adeus. Era notório, o coração frágil pertencente àqueles tênues olhos estava se preparando, pouco a pouco, para partir, seguir em direção a palcos celestes... E assim o fez.

O som estridente do adeus se fez a pior canção de amor já desenhada por dedos de artistas... Quanta saudade eu tive do belo som da bossa nova... Que saudade do sorriso daquela pequenina... Que pavor tive de mim... Quantos conflitos, como amar uma profissão que me deixa impotente diante de um olhar, de um socorro, de um sorriso... Como é difícil dizer adeus quando o coração que dizer até logo...

Meu coração silenciou, não mais podia escutar a música tão peculiar a ele, a alegria que está implícita na frase: eu estudo para salvar vidas... É difícil lutar contra a morte... É impraticável querer manipular a vida. Escutei por um momento, uma voz distante dizendo–me torna-te quem tu és... Acredito que por um instante esquecera o meu real propósito...

E a doce voz acrescentou - nunca esqueça: hoje você lutou a favor da vida, mas nunca contra a morte... olhei em minha volta e constatei que o meu inconsciente falara ao meu angustiado, inconformado e decepcionado coração, que, por um instante sentiu-se fracassado e impotente...

Olhei para a janela e percebi que o sol permanecera, ali, estático testemunhando a minha tristeza, percebi que o meu coração que tantas vezes olhara para dentro de si, fora capaz de chorar por um olhar forte, ingênuo, sutil, porém, desconhecido... Estranhei minhas limitações, me revoltei contra a vida por uns instantes, mas aprendi que é através das limitações que deve surgir a minha força, não para ser a cura, mas para ser um instrumento dela.

A campanhia tocou... A mãe dos pequeninos olhos me abraçou e com um tom de tristeza e conformação me disse: - muito obrigada, meu anjo se foi... Mas o seu olhar médico de ternura fez com que sua partida fosse amenizada com um sorriso leve...

Não contive as lágrimas, meu coração aos prantos incapaz de responder, apenas presenciou o meu maior fracasso diante da morte, e fez renascer uma nova vida em mim... Por um minuto pensei em desistir, e por toda eternidade vou esquecer esse minuto de fraqueza...

Com calma, arrumei minha maleta de idéias, abri a porta e sai com aquela certeza que parte de mim nunca mais seria como antes, aqueles olhos me fizeram enxergar a beleza da vida... Atravessei o corredor em direção a minha nova vida, que será repleta de tropeços, mas, que será dedicada para um ideal, o ideal do amor à vida e à medicina. Como é difícil perceber que se é humano...




"Quem disse que o preço dos sonhos é baixo? Aquele que tem um porquê de viver, quase sempre encontrará o como.” Nietzsche.

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